Retomada dos trilhos está mais próxima

Diário do Comércio – O transporte ferroviário é um dos maiores desafios de infraestrutura de Minas Gerais. As operações no modal se mostram mais competitivas em relação às rodovias, podendo reduzir os custos em até 30%. No entanto, a ampliação do deslocamento de cargas por trens tem tido pouco sucesso.

Apesar de o Estado ter a maior malha ferroviária do País, grande parte está abandonada. Muitos são os planos de retomada e construção de novos ramais e poucas concretizações. Porém, esse cenário pode se transformar no longo prazo.

Mudanças nas legislações federal e estaduais, ocorridas nos últimos três anos, acenderam luzes no fim do túnel, lançando novas perspectivas no setor férreo. Caso os projetos em andamento se concretizem, Minas poderá, em 20 anos, estar de volta aos trilhos, sendo cortada por muitas ferrovias longas e curtas, totalmente interligadas. Especialistas estimam que já em 2030 as ferrovias possam responder por ao menos 30% da matriz de transporte no Estado. Hoje, respondem por cerca de 10%.

Mas para que tudo dê certo, é preciso que Estado e País construam um cenário favorável. É que os aportes em ferrovias são elevados, de longo prazo e sem retorno imediato após o início das operações. Por isso, investidores precisam de garantias de demanda e estabilidade política e jurídica por longos períodos, o que pode ser difícil com o histórico do Brasil.

Mas o start foi dado. Dois grandes programas podem colocar Minas de volta aos trilhos. Um deles, de longos trechos, é o Pró-Trilhos, do governo federal, que até este mês já autorizou projetos para pelo menos sete novos trechos que cortarão o Estado.

Outro importante passo é o Plano Estratégico Ferroviário de Minas Gerais (PEF-MG), do governo estadual, inspirado no modelo americano com ferrovias curtas e longas. O plano está em fase de estudos complementares pela Fundação Dom Cabral.

Nesse cenário, a retomada das operações ferroviárias é tema do #JuntosPorMinas. O projeto do DIÁRIO DO COMÉRCIO aborda desafios e gargalos do Estado que podem ser transformados em oportunidades de crescimento econômico, transformação social e inclusão. As reportagens sobre ferrovias serão publicadas semanalmente em três etapas. Confira a seguir a primeira parte.

Demanda no Estado justifica investimento

Cerca de 90% de tudo que é produzido em Minas Gerais chega ao destino pelas rodovias. Mas com o custo do transporte cada vez mais alto, em razão dos aumentos dos combustíveis e insumos, sem contar os gastos com manutenção em função das condições ruins de grande parte das estradas, não há como escapar do frete caro. Importante exportador de commodities agrícolas e minerais, o Estado fica menos competitivo nesse cenário, o que torna a expansão das ferrovias fundamental para o crescimento da economia mineira.

Segundo o coordenador do núcleo de infraestrutura e logística da Fundação Dom Cabral (FDC), Paulo Resende, as ferrovias representam uma redução de até 30% desse custo. Para ele, o start para a retomada do modal foi dado com as repactuações dos contratos de concessões que vêm sendo feitas nos últimos dez anos e com as recentes mudanças nas leis federais e estaduais para agilizar as concessões.

“As ferrovias operam sob economia de escala, ou seja, quanto maior o volume transportado e a distância, menor o custo médio. Minas Gerais tem demanda para isso em várias áreas, principalmente nas regiões produtoras de granéis agrícolas. O Estado é muito atrativo para esse tipo de investimento”, informou Resende.

E é exatamente buscando atender o agronegócio mineiro e também a produção mineral que sete projetos de construção de ferrovias em Minas, no modelo de concessões, foram autorizados recentemente pelo Ministério da Infraestrutura (MInfra), via programa Pró-Trilhos. Segundo a pasta, somadas, essas propostas representam 3.117 quilômetros de trilhos e R$ 58,76 bilhões em investimentos projetados (veja os trechos no quadro abaixo).  

“A rede ferroviária voltada ao agro precisa ser bem elaborada, com a integração multimodal e conexões, pois, diferentemente do minério que é deslocado diretamente da mina aos portos, os granéis agrícolas têm várias etapas de transporte”, explicou Resende. Segundo ele, o plano estratégico do governo de Minas, também prevê grandes ferrovias interligadas, em alinhamento com o planejamento nacional.

“Caso os planos tenham êxito, projetamos que já em 2030, a participação das ferrovias na matriz de transporte em Minas pode chegar a 30%. Hoje são 10%, desconsiderando o minério. As experiências em várias partes do mundo nos mostram que uma participação de ferrovias superior a 30% na matriz de um estado ou país atrai ainda mais investimentos para o modal, como aconteceu nos EUA”.

Ambiente político

Mas para que tudo realmente dê certo, é preciso estabilidade política e segurança jurídica, segundo o especialista em logística Silvestre Andrade, sócio da Infraplan consultoria.

“Ferrovias são projetos bilionários, de longo prazo, com investimentos elevadíssimos. E o retorno dos investimentos começam a acontecer após anos e anos de operações. Por isso, não se pode mudar as regras do jogo no meio do caminho. Além da garantia de volume expressivo de cargas para percorrer grandes distâncias, é preciso também que o investidor enxergue um ambiente de segurança jurídica e estabilidade política, com continuidade dos planejamentos. Mas isso é complicado, considerando o histórico do Brasil nos últimos 40 anos”, observou Andrade.

Por isso, para o consultor, nem todos os projetos do Pró-Trilhos serão concretizados. “O plano nacional da forma com que foi construído foi uma saída inteligente para agilizar a expansão ferroviária, com os estudos prévios de viabilidade deixando de ser feito pelo governo e ficando a cargo da iniciativa privada. Essas novas autorizações são de fato um caminho interessante, mas os estudos precisam realmente ser muito bem conduzidos”, completou Andrade.

Abandono: um erro histórico de estratégia

Para se entender porque Minas Gerais, apesar de ter a maior malha ferroviária do País, ‘abandonou’ o transporte sobre os trilhos, é preciso voltar na história. “Nossa malha no final do império e início do período republicano estava muito ligada ao transporte de passageiros e foi bastante ampliada em razão disso, mas sem conexões. Nossa industrialização, porém, deu-se após a Segunda Guerra Mundial e já ocorreu quando todo o País já vivia um estímulo ao transporte rodoviário, pela facilidade das conexões pelas novas rodovias. Governos adotaram uma postura rodoviarista. Não imaginaram nem de longe o cenário de elevados custos rodoviários que temos hoje”, informou o coordenador do núcleo de infraestrutura e logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende.

Resende destacou que as ferrovias por onde são transportados minérios, como a Vitória-Minas, da Vale, não foram abandonadas, porque, para ser competitiva, a indústria da mineração sempre demandou o transporte férreo, uma vez que o transporte de minério por rodovias por longas distâncias é inviável economicamente.

“A indústria da mineração foi prontamente atendida, o que mostra que as vantagens do transporte de longas distâncias de grandes quantidades de cargas eram bastante conhecidas, mas gestores optaram por estimular as estradas, um erro histórico de estratégia”, considerou.

Comissão Pró-Ferrovias

Até poucos anos atrás, Minas Gerais não contava com uma política estratégica de retomada das ferrovias. “Hoje, há uma estrutura no governo de Minas para essa finalidade. Há proteção dos ramais ferroviários, mesmo os que estejam desativados, com mudanças importantes e estratégicas na legislação, construídas desde 2019 a partir da Comissão Extraordinária Pró-Ferrovias”, destacou o deputado estadual João Leite (PSDB), que preside a Comissão na ALMG.

Segundo ele, Minas Gerais tem todos os mecanismos para ampliar a participação do modal férreo na matriz de transportes”. “Nossa legislação que trata da política estadual ferroviária elimina no Estado a figura da ferrovia monopolizada, como o modelo da Vale. Essa legislação determina um modelo horizontal. Pode passar carga, passageiro e turismo nos trilhos, o que facilitará muito a expansão por aqui”.

João Leite também destacou o Refis do governo de Minas, que prevê benefícios fiscais para empresas que investirem em ferrovias. “Há, ainda, a Emenda 105 que autoriza o governo a permitir operação ferroviária em todo o Estado. Enfim, nós estamos nos preparando e nos cercando de todas as formas para uma revolução ferroviária”. (SC)

Estudos serão concluídos neste semestre

O ponto de partida para o Plano Estratégico Ferroviário de Minas Gerais (PEF-MG), atualmente em fase de estudos, é um diagnóstico do atual sistema ferroviário mineiro, de forma a serem definidas estratégias, e elaborado um plano de investimentos que atenda à demanda do setor e da população mineira. Segundo a Secretaria de Estado da Infraestrutura, já foram elencadas 60 propostas, agrupadas por áreas temáticas, sendo 23 de transporte ferroviário regional de passageiros, 15 de transporte de cargas, 11 de transporte turístico, 7 contornos e trechos urbanos e 4 plataformas logísticas.

O PEF é patrocinado pela Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Estudos complementares estão sendo elaborados pela Fundação Dom Cabral (FDC) e devem ser concluídos neste semestre.

Os estudos têm como premissas o aprofundamento em alguns temas. Um deles é o projeto ferroviário para o Noroeste mineiro, com o desdobramento da origem e destino das cargas captadas e seus impactos nos carregamentos previstos nos estudos da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e no Tramo Central da Ferrovia Norte Sul, concedida à Rumo Logística.

Segundo a Seinfra, também estão sendo aprofundados na FDC estudos do Ferroanel na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A ampliação da capacidade de cargas dos trechos estudados pode ocasionar gargalos na malha que cruza a região rumo aos portos do Espírito Santo e Rio de Janeiro.

A construção de cenários multimodais também é outro eixo dos estudos. A proposta considera plataformas logísticas e outros elementos que integrem o transporte em Minas Gerais, incluindo identificação de projetos a serem considerados como apropriados para a implantação de shortlines (linhas curtas).

Ainda de acordo com a Seinfra, também é analisada pela FDC a criação de um sistema de gestão da malha ferroviária, tecnológico, com o acompanhamento e controle dos projetos ferroviários sob o conceito de Dashboards em Power BI.

Reprodução Diário do Comércio

Fonte: Diário do Comércio (https://diariodocomercio.com.br/juntosporminas/retomada-dos-trilhos-esta-mais-proxima/)

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